Tenho por hábito escutar a discografia de artistas que admiro muito na data de seu aniversário. Curtis Lee Fields completaria 77 anos no último dia 3 de junho. Sua passagem para o outro lado em 1999 por complicações relacionadas ao diabetes deixou uma lacuna jamais preenchida na música.
Desde muito cedo demonstrou grande interesse e talento para música e em 1957 iniciou sua carreira junto ao grupo de soul e R&B Alpha Tones.
No inicio da década seguinte atingiu a fama como líder do grupo The Impressions. Este grupo ajudou a definir o que ficou conhecido como “Soul de Chicago” que rivalizava artisticamente com a Motown que era sediada em Detroit.
Compositor e multiinstrumentista de mão cheia Curtis dominava guitarra, baixo, bateria, saxofone e piano. Logo sentiu vontade de investir em sua carreira solo e em 1970 lança Curtis. Esse disco definiu a abordagem que seria usada no restante da sua carreira: uma pungente voz em falsete cantando músicas de caráter social, político e amoroso tendo como pano de fundo uma base musical que alternava momentos dançantes e vigorosos com baladas sensíveis e delicadas.
Roots, seu segundo álbum além de seguir o caminho aberto pelo anterior troca um paralelo interessante com a nova fase de Marvin Gaye. O astro da Motown tentava se desvencilhar de sua imagem de galã do soul após a trágica morte de sua parceira Tammi Terrel e lançava What’s Going On.Este disco falava da sociedade americana, da guerra do vietnã, dos direitos civis do povo negro e até de ecologia.Temas também presentes na música de Curtis nesta época.
Na sequência ele grava um dos melhores discos ao vivo da história da música; Curtis Live foi gravado em 4 noites em Janeiro de 1971 no Bitter End em NY. Corajoso e livre Curstis grava um disco que mescla um pouco de sua produção com The Impressions, hits do seu primeiro disco ao lado de material inédito. A beleza das canções e a entrega de Curtis na interpretação mostram que quando música é boa não precisa de firula: baixo, guitarra, bateria, percussão e sua voz conduzem suavemente o ouvinte através deste seminal álbum duplo em vinil. É meu disco favorito da discografia dele.
Depois ele lança uma das melhores trilhas sonoras originais da história do cinema. Blaxploitation foi um movimento cinematográfico nos Estados Unidos surgido no inicio da década de 70 em que as produções eram feitas por atores, diretores e técnicos negros visando o público negro que não se sentia representado pelas produções cinematográficas da época. Foi um marco do funk e do soul que atingiu a marca de dois milhões de cópias vendidas da single Freddie’s Dead na época. Curtis fala com muita propriedade da história de um cafetão e traficante de cocaína afora americano que tenta abandonar sua vida pregressa. Os Racionais MC’s usaram um samble de Freddie’s Dead em um de seus grandes sucessos: Mano na porta do Bar.
Depois de atingir o topo das paradas com Super Fly ele ainda lança mais um disco clássico: Back to The World. Em mais um disco matador ele discute as desigualdades do mundo a sua volta envolto por muito groove e talento mas neste momento ele já está perdendo popularidade e logo em seguida com o surgimento da disco music os artistas musicais da época tiveram que adotar a febre das pistas para prosseguir carreira.
Mesmo sendo dono de um talento fora do comum Curtis acabou por fazer concessões mercadológicas um tanto equivocadas.Seus lançamentos futuros nunca repetiram o sucesso de público e crítica da década de 70 e durante os anos 80 sua carreira entrou em declínio. Em 1990 sofreu um acidente em que ficou paraplégico e começaram a surgir problemas de saúde. Mesmo assim seguiu em frente sempre gravando discos e fazendo shows e sendo celebrado pelas novas gerações com o um dos músicos mais criativos de sua geração. Seu último álbum foi lançado em 1996 e mantém a linha de seus trabalhos anteriores: sua voz primorosa e cristalina e seu talento musical escreveram uma linda história através dos tempos. Curtis Vive!
Luciano Malásia
Músico e DJ. Escreve quinzenalmente no blog da Dublab Brasil.